A pesca de tarrafa é uma técnica artesanal fascinante que combina habilidade, paciência e um profundo conhecimento do ambiente aquático. Neste artigo, vamos explorar o que é essa modalidade de pesca, suas origens históricas e como ela se manifesta no Brasil, onde continua a ser uma prática vital para comunidades costeiras e ribeirinhas.

O Que é a Pesca de Tarrafa?

A tarrafa, também conhecida como rede de arremesso ou cast net em inglês, é uma rede de pesca circular equipada com pequenos pesos (chumbos) distribuídos ao longo de sua circunferência, pesando em média 1,5 kg por metro. Essa rede é arremessada manualmente pelo pescador, abrindo-se completamente no ar antes de cair na água e afundar rapidamente devido aos pesos. O objetivo é capturar peixes ou crustáceos que estejam dentro do diâmetro da rede, que pode variar de 1,2 a 3,6 metros de raio. Após o lançamento, o pescador puxa uma corda central, reduzindo o diâmetro da rede e concentrando a captura em uma bolsa chamada “saco”, facilitando a retirada da água.

Essa técnica exige precisão e força física, especialmente quando a rede está cheia de peixes. É mais eficaz em águas rasas, com profundidade inferior ao raio da tarrafa, e pode ser realizada de trapiches, margens de rios ou mares, pequenas embarcações ou qualquer local adequado para o arremesso. No entanto, desafios como enroscos em obstáculos submersos (como galhos ou pedras) podem complicar a operação, exigindo que o pescador entre na água para desenrolar a rede. A tarrafa é uma ferramenta simples, mas versátil, adaptada para diferentes alvos, como peixes ou camarões, com malhas que variam em tamanho e espessura.

As Origens da Pesca de Tarrafa

A pesca de tarrafa é uma prática ancestral, com raízes que remontam a milhares de anos e que sofreu diversas modificações ao longo da história. Suas origens são globais, mas no contexto brasileiro, ela foi influenciada por múltiplas culturas. Antes da chegada dos europeus, os povos indígenas já praticavam formas de pesca artesanal, incluindo o uso de redes feitas com fibras naturais, como o tucum, uma planta local. Essa tradição indígena se misturou com as técnicas trazidas pelos colonizadores.

No Brasil, a tarrafa moderna tem forte ligação com os imigrantes açorianos, que chegaram por volta de 1750, trazendo consigo o conhecimento de redes usadas para a pesca do bacalhau nos Açores, um arquipélago português. Esses imigrantes adaptaram a técnica às águas locais, compartilhando saberes com os indígenas carijós, resultando em uma miscigenação cultural que moldou a pesca artesanal brasileira. Com o tempo, a prática se espalhou por todo o litoral e rios interiores, tornando-se parte integrante da identidade de comunidades pesqueiras.

Estudos históricos destacam que, nos séculos XIX e XX, a tarrafa era operada solitariamente em águas costeiras e rasas, evitando obstáculos como rochas, e ilustrada em publicações como a Revista Brasileira de Geografia nos anos 1950 e 1970. Essa evolução reflete não apenas avanços técnicos, mas também a resiliência cultural de povos que dependem do mar e dos rios para sobrevivência.

A Pesca de Tarrafa no Brasil: Prática, Regiões e Significância Cultural

No Brasil, a pesca de tarrafa é predominantemente artesanal, uma atividade socioeconômica que gera renda, emprega mão de obra familiar e fornece alimento básico. Ela é praticada ao longo do ano em diversas regiões, com adaptações modernas como o uso de nylon em vez de fibras vegetais e barcos motorizados, integrando-se a circuitos de produção mercantil. No Nordeste, como no Ceará e Pernambuco, é comum em açudes e águas costeiras, onde pescadores realizam lances em locais de pouca profundidade. No Sul, especialmente em Florianópolis (Santa Catarina), a confecção artesanal da tarrafa é uma arte mantida viva por idosos como Luiz Amaro dos Santos (seu Ereno), que usam nylon, agulhas e chumbo para criar redes personalizadas, levando até dois meses para uma peça completa.

Uma das manifestações mais únicas ocorre em Laguna (SC) e na Barra do Rio Tramandaí (RS), onde pescadores cooperam com botos-cinza (Tursiops gephyreus). Os botos guiam cardumes de tainhas para a costa, sinalizando com acenos de cabeça o momento ideal para o arremesso da tarrafa. Essa parceria sustentável beneficia ambos: os botos se alimentam de peixes desorientados, enquanto os pescadores aumentam sua captura. Essa prática, observada historicamente em outras áreas como Araranguá (SC) e Lagoa dos Patos (RS), promove laços afetivos, com botos recebendo nomes como Geraldona e Chiquinho.

Apesar de sua importância, a pesca de tarrafa enfrenta desafios no Brasil contemporâneo. A perda de interesse entre os jovens, influenciada pela preferência do mercado por peixes importados como o salmão, e problemas ambientais como contaminação das águas e perda de habitat ameaçam a tradição. Iniciativas como o Projeto Botos da Barra, da UFRGS, buscam conservar essa herança, com leis de zoneamento de 2016 ajudando a preservar as populações de botos. Além disso, a tarrafa contribui com mais de 40% da produção pesqueira extrativista do país, concentrada no Norte e Nordeste.

Fonte: Pescairada.com